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A acupunctura, o principal ramo da medicina tradicional chinesa, é um método de incentivar o organismo a promover a própria cura e a melhorar o seu funcionamento através da inserção de finas agulhas em pontos bastante precisos do corpo, com o intuito de harmonizar o yin e o yang no organismo, ou seja a sua energia vital.

 

A acupunctura oferece uma perspectiva única, acerca da natureza de saúde e doença, tendo uma grande consideração pelo corpo humano, respeitando e promovendo as suas capacidades ilimitadas de recuperação e rejuvenescimento. Os sintomas manifestados por qualquer desequilíbrio são reconhecidos como a linguagem do corpo; ao harmonizar corpo, mente e espírito, é possível combater ou prevenir a doença de forma a melhorar a qualidade e a duração da vida.

 

As melhorias nos níveis bioenergéticos e o equilíbrio alcançado através da acupunctura resultam numa estimulação das capacidades naturais do corpo de se autorregenerar e no bem-estar físico mental e emocional.

 

É do conhecimento comum que a acupunctura, tem uma história de muitos milénios, com registos históricos fantásticos quanto á sua precisão e eficácia. Foi o conhecimento e a evidência de tal respeitabilidade que levou os povos ocidentais a adotarem progressivamente os seus métodos, preferindo um recurso terapêutico com provas dadas, não invasivo e não mutilador. A acupunctura foi então integrada no grupo das terapias doces, ou mais vulgarmente designadas por terapias naturais.

 

A acupunctura está intimamente associada à tradição taoista desde os seus primórdios. Fu hsi, imperador que terá reinado entre 2.952 e 2.836 a.c.. Terá sido o principal impulsionador do desenvolvimento das primeiras teorias acerca de yin e yang e os 8 trigramas (ba gua), que formam a base dos 64 hexagramas mais tarde descritos no i ching, o livro das mutações.

 

O ba gua é uma imagem dos primórdios da existência. É a partir da observação da natureza, através do estudo do mundo natural externo e interno, que fu hsi compreendeu (e explicou) que os trigramas reflectem a essência do movimento da energia.

 

No período de huang di, o imperador amarelo (c. 2697 a 2597), a acupunctura e muitas outras formas de artes chinesas conheceram um grande desenvolvimento. No ramo da medicina, o tratado de medicina interna do imperador amarelo (huang di nei jing) descreve técnicas, agulhas, pontos de acupunctura, descrições de meridianos, etc.

 

A medicina de que o imperador amarelo fala, entende uma integração do ser humano com as forças da natureza que o rodeiam de forma harmoniosa. O ritmo cíclico destas forças é que as torna equilibradas e complementares entre si e cria um ambiente favorável à vida. Os conceitos da medicina chinesa derivados do taoismo defendem a necessidade de regular os processos essenciais do organismo de forma a estarem alinhados com a harmonia natura, com a harmonia do cosmos. Desta forma, é entendido que nenhum fenómeno vital deve ser analisado fora do seu contexto orgânico e universal: as estruturas e funções do ser humano constituem um todo indivisível e interativo, sendo que este é um elemento do universo, do qual não pode ser dissociado.

 

Esta conceção global implica uma unidade do organismo, em que cada parte está relacionada com o todo; uma inter-relação entre o homem e o universo (microcosmo e macrocosmo) na qual encontram correspondência um no outro; a interação entre os ciclos temporais (estação do ano, mês, hora do dia) e a fisiologia humana; e influência mútua entre os fatores físicos e psíquicos.

 

A prática de acupunctura pressupõe estes princípios milenares da medicina tradicional chinesa, em que o exterior influencia o interior tanto quanto o interior tem efeitos sobre o exterior. Assim, homem e natureza estão intimamente ligados. Os ciclos da lua ou as tempestades solares têm efeito no ser humano tal como este influencia o ambiente que o rodeia. Quanto à acupunctura, evoluiu a partir destes pressupostos e é uma forma de tratar condições internas através da utilização de meios externos. Aliás, é quando aplicada de acordo com os seus princípios filosóficos milenares que a acupunctura alcança os resultados  mais surpreendentes.

 

Nesta perspectiva, a vida assenta sobre três conceitos essenciais, os três tesouros (sanbao), que são jing, qi e shen:  a essência, a essência vital; o sopro, energia na qual estão contidos os conceitos de movimento, transformação, funcionamento e ligação; e consciência (shen), síntese da atividade psíquica e espiritual. Na vida humana, o corpo não pode funcionar sem o impulso permanente da consciência e esta só pode ser considerado no contexto do funcionamento do corpo. Na filosofia sobre a qual assenta a medicina chinesa, as atividades mentais, emocionais, fisiológicas ou sociais são expressões múltiplas de um mesmo princípio vital.

 

As noções de jing, qi e shen são indissociáveis. Sem o shen, consciência organizadora, a vida não se pode manifestar. Mas é a transformação do jing, a essência, que dá origem ao shen. Por sua vez, o jing precisa do qi, energia, para ganhar movimento e entrar em atividade. Por outro lado, o qi é necessário para nutrir o shen; e o qi não se poderia manifestar sem o impulso do shen para o orientar e sem a presença do jing para definir a trama e servir de suporte às suas transformações.

 

A energia de vida, qi, corre nos meridianos, canais, de forma cíclica, e cada meridiano transporta o qi de determinado órgão. Os pontos de acupunctura são pontos específicos localizados na sua maioria ao longo destes canais bioenergéticos e, quando estimulados de forma correta, têm a capacidade de equilibrar e energia vital de forma a promover a resposta mais adequada para a regulação do desequilíbrio em causa.

 

Outro importante conceito aplicado na acupunctura é o de equilíbrio natural. Desta ideia de equilíbrio surge a teoria fundamental do yin e do yang. De acordo com esta teoria, a vida acontece alternando os ritmos de yin e de yang. Assim sendo, o dia dá lugar à noite, a noite ao dia; um tempo de luz e atividade (yang) é seguido pela escuridão e o repouso (yin). São totalmente opostos e complementares; infinitamente divisíveis um no ou outro, e no entanto inseparáveis e interdependentes.

 

A relação harmoniosa é saúde; um distúrbio na relação é doença. 

Qualquer patologia pode ser explicada por uma quebra no equilíbrio dinâmico entre yin e yang

Um aumento ou uma redução num destes extremos conduzem inevitavelmente à doença.

 

De acordo com o huang di nei jing,

 

         yang tem origem no yin

         yin tem origem no yang.

         sem yin, o yang não pode surgir

         sem yang, o yin não pode nascer.

         o yin só por si não pode surgir; o yang só por si não pode crescer.

         yin e yang são divisíveis mas inseparáveis.

 

O tai ji, o símbolo que representa a união do yin e do yang, mostra que no plano físico de existência nada é puro yin ou puro yang; yin e yang envolvem-se num abraço perfeitamente simétrico, cada um contendo a semente do seu oposto. Da mesma forma, a saúde implica o equilíbrio e a harmonia de tudo o que é yin e de tudo o que é yang no organismo.

 

A teoria dos cinco movimentos é um prolongamento do conceito de yin e de yang. Faz referência a cinco etapas da transformação cíclica gerada pela alternância de yin e de yang e, por extensão, a cinco modos de expressão da natureza. Estes cinco tipos de manifestações do qi estão simbolicamente representados nos elementos madeira, fogo, terra, metal e água. Tal como para o yin e yang, a influência da teoria dos cinco movimentos estende-se não só à medicina como à astronomia, à música, à moral e mesmo à política.

 

Todos os ciclos naturais assentam na alternância entre o yin e o yang, que não se transformam um no outro de forma brusca e imediata (salvo em quadros patológicos excecionais), mas sim progressivamente, num mecanismo de crescimento e diminuição recíprocas. Os cinco movimentos correspondem a etapas chave neste ciclo de aumento e diminuição.

 

Assim, o fogo corresponde ao máximo de yang, ao verão nas estações do ano, ao meio do dia, ao coração no organismo. O metal é o yin que nasce do yang, o outono que vem depois do verão, o pôr-do-sol, o pulmão. A água é o mínimo de yin, o inverno, o meio da noite, o rim. A madeira é o elemento em que o yang nasce do yin, a primavera que se segue ao inverno, o nascer do sol, que no nosso corpo se traduz na energia do fígado. Quanto à terra, representa o elemento do centro, referência essencial a qualquer representação e elemento da transformação por excelência, encontra-se na transição entre as estações do ano e os momentos do dia. No corpo, é o baço-pâncreas.

 

No plano terapêutico, a teoria dos cinco movimentos permite prevenir e controlar a evolução de uma patologia, através da aplicação no organismo dos modos de relação existentes entre eles. É uma teoria central e indispensável à compreensão e prática da acupunctura, sem ser, no entanto, exclusiva no diagnóstico e tratamento.

 

Como funciona a acupunctura?

A explicação clássica diz-nos que canais bioenergéticos correm em padrões regulares no interior do corpo e à sua superfície. Estes canais de bioenergia, ou meridianos, são como rios interligados que correm através do corpo, ligando todos os órgãos, além de irrigarem e nutrirem os tecidos.

 

A acupunctura inclui uma série de procedimentos com vista a corrigir os desequilíbrios entre yin e yang na corrente de qi, através da estimulação de pontos específicos, sendo a mais comum através da inserção de agulhas. Os meridianos podem ser influenciados através da inserção de agulhas nos pontos de acupunctura, que funcionam como válvulas que permitem travar ou estimular a circulação de qi, estimulando ou dispersando o yin ou o yang no ou nos meridianos afetados. Assim, os tratamentos de acupunctura ajudam a que os órgãos corrijam os desequilíbrios a nível do seu funcionamento e da produção da energia específica a cada órgão, assim como na circulação dessa energia ao longo dos meridianos.

 

A explicação científica moderna diz-nos que a inserção de agulhas em pontos anatómicos específicos ou à superfície da pele tem a capacidade de alterar vários fatores bioquímicos e fisiológicos de forma a alcançar um determinado efeito desejado.

 

Ainda segundo esta perspectiva ocidental moderna os pontos de acupunctura têm sensibilidade elétrica; quando estimulados vão ativar variados recetores sensoriais que, por sua vez, estimulam o sistema nervoso, enviando impulsos para o sistema hipotálamo-hipofisário, na base do cérebro. Estas glândulas são responsáveis pela libertação de neurotransmissores e endorfinas, as hormonas inibidoras da dor do nosso organismo (estima-se que as endorfinas podem ser 200 vezes mais potentes do que a morfina). As endorfinas têm ainda um papel essencial no funcionamento do sistema hormonal, o que explica que a acupunctura alcance resultados tão surpreendentes tanto em dores de costas e artrites quanto ao que toca à síndrome pré-menstrual ou à infertilidade.

 

Estas substâncias que são libertadas no organismo resultam num relaxamento generalizado e também na regulação de serotonina no cérebro, o que terá efeitos sobre o sono e o bem-estar.

 

Estas e outras teorias relativas à explicação do funcionamento da acupunctura, continuam o seu debate na ordem do dia e os avanços na sua compreensão, certamente que nos virão acrescentando novos horizontes no aprofundamento dos conceitos filosóficos deste sistema médico milenar.

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Acupuntura - José Barreno

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